ISPS Code: obra de ficção - Texto atualizado em 08 de Janeiro de 2008

* por Luiz Roberto Gomes


Lamentavelmente, o código ISPS Code se transformou numa genuína obra de ficção nas mãos da administração pública portuária. Algo lúdico, se não fosse funesto. O palco do deprimente espetáculo é a segurança pública portuária, em particular o Plano de Segurança Pública Portuária (PSPP) e sua respectiva implementação. Pasmem: os atores conseguiram transformar os sérios procedimentos adotados na Organização Marítima Internacional (IMO) em uma cômica peça teatral.


A conjuntura dos trágicos eventos de 11 de setembro de 2001 foi direcionada para o interesse pessoal. A imperativa necessidade de implementar o programa de segurança pública portuária acabou servindo como subterfúgio aos ávidos “maracutantes”, que com seus atos geraram o que está posto. Sem dúvida, o ISPS/Solas foi literalmente para a sola dos pés. Não prevaleceu o interesse público e o código de segurança transformou-se em um rentável feirão de negócios. As lucrativas obras e serviços caíram como luvas nas mãos dos oportunistas de plantão. Milhões de reais dos cofres públicos foram despendidos com a contratação de porteiros, elaboração de plano de segurança, construção de muros, cercas, portarias, compra e instalação de portais de acesso, torres, equipamentos de informática, equipamentos de controle e de monitoramento eletrônico. Tudo isso realizado com contratações emergenciais. Adotaram o nefasto slogan da TAM - “lucro acima de tudo”, uma conspiração contra o interesse público.

O dito popular “pau que nasce torto morre torto” se encaixa perfeitamente ao código ISPS no Porto de Santos. A administração pública desprezou o princípio da indisponibilidade do interesse público. É inadmissível a Autoridade Portuária não reconhecer que a elaboração do seu próprio Plano de Segurança Pública Portuária se tratava do absoluto interesse público. É inadmissível que a Autoridade Portuária pode de sua competência se dispor, preterindo a um segundo plano a sua responsabilidade, ou melhor, em prol do interesses escusos, contratando emergencialmente duas empresas privadas para elaborar a um custo altíssimo aquilo que era de sua alçada.

A sociedade está confusa. É indispensável a confiança que os indivíduos precisam e devem depositar nas ações dos homens: do Estado e nas coisas organizadas, disciplinadas e administradas direta ou indiretamente pelo poder público. Entretanto, diariamente são veiculados nos meios de comunicação os mais diversos crimes cometidos dentro da administração pública, a impunidade se alastra progressivamente, gerando uma concepção doentia, que fortalece o caos social. A sociedade está passiva, pois impera a ditadura branca, contraditoriamente implantada pelos que foram subjugados na ditadura militar. Por causa de tudo isso, silenciosamente clamamos, suplicamos pelo fim das crateras do metrô da vida, pelo fim da máfia das sanguessugas, pelo fim da corrupção, pelo fim da safadeza institucional, safadeza geradora dos mais diversos apagões sociais, apagões que tem imposto o caos nos setores de transportes, da saúde, da segurança e da educação.

Quanto ao ISPS vejamos a contradição exposta na mídia:


A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), empresa que administra o Porto de Santos, recebeu o selo Primeiro Emprego pela efetiva participação no programa instituído pelo Governo Federal, através do Ministério do Trabalho, para contratação de jovens para o primeiro emprego. A entrega do selo significa para a Codesp o reconhecimento por desempenhar um papel de agente para mudanças sociais.


A Codesp está recebendo o selo em função da inclusão de 300 jovens contratados para serviços de portaria em apoio à atuação da Guarda Portuária. O fornecimento do pessoal foi contratado junto à empresa TB Serviços já direcionada para dedicar 300 das vagas para o programa do governo.


O trecho acima divulgado por meios de comunicação é semelhante a muitos contratos públicos, possui um corpo bom, entretanto a alma é muito ruim. Perceba:

Esses porteiros foram contratados emergencialmente pela Codesp. As empresas privadas que elaboraram o Plano de Segurança Pública Portuária introduziram esse personagem chamado porteiro na segurança pública portuária, atribuindo a eles responsabilidades previstas na Resolução nº. 12/2003 da Conportos, referente ao Normas de Controle de Acesso e Circulação de Pessoas e Veículos (NAPV). Esses jovens inexperientes para o primeiro emprego tinham que cumprir os procedimentos para o controle, o acesso e detecção de armas, drogas, artefatos explosivos, produtos perigosos e substâncias nocivas. Pasmem, mas é o que está posto no plano de segurança da Codesp.

O ISPS Code é uma obra de ficção, pelo menos até o momento. Esses jovens nem sabiam o que estavam fazendo no cais do Porto, foram usados no sentido de demonstrar à sociedade que havia o tal controle exigido nas normas internacionais. Tudo isso a um custo altíssimo de aproximados seis milhões de reais para prestação do desserviço.


As anotações foram efetuadas em folhas não numeradas, sem serventia alguma à segurança pública portuária. As citadas fichas tiveram destino certo, lixão da Codesp. O plano determina que o cadastramento seja eletrônico, a distribuição das informações é realizada de cima para baixo, a partir do centro de inteligência e não como foi efetuado, um falseamento do controle de acesso. Utilizaram esses jovens sem a infra-estrutura necessária, nenhum gate (portão) havia sido construído.


Os jovens permaneceram como prestadores de serviço na Codesp de junho de 2004 até junho de 2005. Se eles eram tão necessários ao ponto de ser efetuada a contratação emergencial, qual o motivo de não haver porteiros de junho de 2005 até a presente data? Qual foi o motivo de tanta pressa? Contrataram emergencialmente em junho de 2004 todas as obras e serviços para implementar o código ISPS, havia tempo para licitação?


Considerando o fato de as torres gêmeas sofrerem o atentado em setembro de 2001, fator gerador da Resolução nº.02/2002 da Conportos, que aprovou o Plano Nacional de Segurança Pública Portuária em 2002, como pôde a Codesp realizar o ato da emergencialidade contratual em 2004, se havia tempo para licitação? Será que ela não ignorou a Lei 8.666/93, ainda mais quando fracionou as obras de construção civil (três empresas), quando da implantação do sistema eletrônico também fracionou o mesmo serviço em mais três empresas distintas, com a agravante complexidade de ter que consolidar cada parte num único sistema.


A Secretaria Especial de Portos pegou um verdadeiro abacaxi. Descascá-lo não é apenas cumprir as metas que a IMO estabeleceu, necessárias para que o Porto de Santos receba da Conportos a indispensável Declaração de Cumprimento (DC). É também não cair no grave erro da conivência, apurando com serenidade e seriedade os suspeitos procedimentos que redundaram no que está posto.

A segurança pública está com as vísceras expostas, sangrando com tamanha incompetência. As normas de segurança apontam para operações seguras e eficientes, apontam para implantação de sistemas de proteção, prevenção e repressão aos atos ilícitos, às ameaças de terrorismo. Todavia, o cenário é outro. Os resultados desse descaso são mortes e abandono. Até quando o interesse público vai ser tratado de forma tão vil? Maracutaias como estas não apenas diminuem a credibilidade dos serviços públicos, mas também geram efeito devastador no caráter social, propiciando uma mentalidade corrompida que banaliza os preceitos éticos e morais, transformando a verdade absoluta em relativismo oportunista, inversão predadora do bem comum, que deixa o tecido social necrosado.


* Luiz Roberto Gomes, formado em Gestão Portuária, é oriundo da antiga Companhia Docas de Santos (CDS) e presidente da Associação Profissional da Guarda Portuária no Porto de Santos.


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